JOÃO
DO RIO
1) João do Rio, (João Paulo Emílio Cristóvão dos Santos Coelho Barreto), (Rio de Janeiro, 5 de agosto de 1881 — 23 de junho de 1921) foi um jornalista, cronista, tradutor e teatrólogo brasileiro.
2)
O verdadeiro nome, no
entanto, é motivo de controvérsias. Seus dois biógrafos, R. Magalhães
Júnior e João Carlos Rodrigues, utilizam João Paulo Alberto Coelho Barreto, pois era assim que o autor
assinava seus contratos editoriais.
3)
O mesmo nome é utilizado por outros estudiosos da sua obra,
como o crítico Raúl Antelo. Brito Broca, em A vida literária no Brasil: 1900, abstém-se da polêmica,
grafando apenas Paulo Barreto.
4)
Era filho de
educador Alfredo Coelho Barreto e de D. Florência Cristóvão dos Santos Barreto.Filho de Alfredo Coelho Barreto, professor de matemática e da dona de
casa Florência dos Santos Barreto.
5)
Seu pai era Adepto
do Positivismo, o pai fez batizar o filho na igreja positivista, esperando que
o pequeno Paulo viesse a seguir os passos de Teixeira Mendes.
6)
Mas Paulo Barreto
jamais levaria a sério a igreja comtista, nem qualquer outra, a não ser como tema
de reportagem.
7)
Fez os estudos
elementares e de humanidades com o pai.
8)
Aos 16 anos,
ingressou na imprensa, notabilizando-se como o primeiro jornalista brasileiro a
ter o senso da reportagem moderna, entre as quais se tornaram célebres “As
religiões no Rio” e o inquérito “O momento literário”, ambas reunidas depois em
livros ainda hoje de leitura proveitosa, constituindo o segundo excelente fonte
de informações acerca do movimento literário do final do século XIX no Brasil.
10)
Estudou Português no Colégio São Bento, onde
começou a exercer seus dotes literários, e aos 15 anos prestou concurso de
admissão ao Ginásio Nacional (hoje, Colégio Pedro II).
11)
Em 1º de junho de 1899, com 17
anos incompletos, teve seu primeiro texto publicado em O Tribunal, jornal de Alcindo Guanabara. Assinado com seu próprio nome, era uma crítica intitulada Lucília Simões sobre a
peça Casa
de Bonecas de Ibsen, então em cartaz no teatro Santana (atual Teatro Carlos Gomes).
12)
Prolífico escritor, entre 1900 e
1903 colaborou sob diversos pseudônimos com vários órgãos da imprensa carioca, como O Paiz, O Dia, Correio Mercantil, O
Tagarela e O Coió.
14)
Foi neste jornal que, em 26 de
novembro de 1903, nasceu João do
Rio, seu pseudônimo mais famoso, assinando o artigo "O Brasil
Lê", uma enquete sobre as preferências literárias do leitor carioca.
15)
E, como indica Gomes (1996,
p. 84), "daí por diante, o nome que fixa a identidade literária
engole Paulo Barreto.
16)
Sob essa máscara publicará todos
os seus livros e é como granjeia fama. Junto ao nome da cidade". E é
como João do Rio que
assina o texto do magnífico álbum sobre o Theatro Municipal do Rio de Janeiro,
lançado pela Photo Musso em 1913.
17)
Ali divergiu de seu amigo e
colega teatrólogo Arthur Azevedo, ao elogiar o pano de boca do Theatro, pintado por Eliseu Visconti, obra cuja concepção havia sido
ferozmente atacada por Arthur Azevedo antes de sua morte, em 1908.
18)
Segundo seus biógrafos, ao
profissionalizar-se, Paulo Barreto representou o surgimento de um novo tipo de
jornalista na imprensa brasileira do início do século XX.
19)
Até então, o exercício do
jornalismo e da literatura por intelectuais era encarado como "bico", uma atividade menor para
pessoas que possuíam muitas horas vagas à disposição (como funcionários
públicos, por exemplo).
20)
Paulo Barreto move a criação
literária para o segundo plano e passa a viver disso, empregando seus
pseudônimos (mais de onze) para atrair diversos públicos e leitores. Foi
diretor da revista Atlantida (1915-1920)
e colaborou na revista Serões (1901-1911).
21)
Entre 22 de fevereiro e abril de
1904, realizou uma série de reportagens intituladas "As Religiões no Rio",
que além de seu caráter de "jornalismo investigativo", constituem-se
em importantes análises de cunho antropológico e sociológico, cedo reconhecidas como tal, particularmente no tocante as quatro
matérias pioneiras sobre os cultos africanos na Pequena África, que antecedem em mais de um quarto de século as publicações de Nina Rodrigues sobre o tema (além de que,
a obra de Rodrigues ficou praticamente restrita aos círculos acadêmicos baianos).
22)
Estudiosos apontaram semelhanças
entre "As religiões do Rio" e o livro "Les petites réligions de
Paris" (1898), do francês Jules Bois.
23)
Todavia, a semelhança parece
estar muito mais na ideia geral (uma investigação sobre as manifestações
religiosas minoritárias numa grande cidade) do que no plano da realização
formal.
24)
A série de reportagens despertou
tamanha curiosidade que Paulo Barreto a publicou em livro, tendo vendido mais
de oito mil exemplares em seis anos. A proeza é ainda mais impressionante
levando-se em conta o restrito público leitor da época, num país com elevadas
taxas de analfabetismo.
25)
Alguns biógrafos criticam o
cronista pelo fato de que, ao perceber o filão representado pela publicação de
coletâneas (algo que se tornaria comum na segunda metade do século XX), Paulo
Barreto tenha descoberto uma "fórmula" para inflacionar a própria
bibliografia.
26)
Todavia, uma análise das
coletâneas publicadas ao tempo de sua curta vida repele tal afirmação.
Primeiro, ele fazia uma seleção dos textos que iriam ser publicados; e,
segundo, os textos selecionados possuíam unidade entre si, concordante com o título geral da obra e
previamente justificados por um parágrafo introdutório.
27)
Eleito
para a Academia Brasileira de Letras em sua terceira tentativa, em 1910, Paulo
Barreto foi o primeiro a tomar posse usando o hoje famoso "fardão dos
imortais".
28)
Anos
depois, com a eleição de seu desafeto, o poeta Humberto de Campos, ele se afastou da instituição. Conta-se que, quando
informada de sua morte, a mãe avisou expressamente que o velório não poderia
ser feito lá, pois o filho não aprovaria a ideia.
29)
A orientação sexual de Paulo Barreto desde cedo
constituiu-se em motivo de suspeita (e posteriormente, de troça) entre seus
contemporâneos.
30)
Solteiro, sem namorada ou amante conhecidas, muitos de
seus textos deixam transparecer uma inclinação homoerótica bastante explícita.
31)
As suspeitas praticamente se confirmaram quando ele se
arvorou em divulgador na terra brasileira, da obra do "maldito" Oscar Wilde,
de quem traduziu várias obras.
32)
Figura ímpar, que se vestia e se comportava como um
"dândi de
salão" (Rodrigues, 1996, p. 239), Paulo Barreto jamais ousou desafiar
os estereótipos com os quais a sociedade rotula os homossexuais.
33)
Todavia, ao se propôr a defender novas ideias nos
campos político e social, sua figura "volumosa, beiçuda, muito moreno,
lisa de pelo" (como registrou Gilberto
Amado) tornou-se um alvo perfeito para toda sorte de ataques, dentre
os quais se destaca Humberto de Campos.
34)
É nesse contexto que se insere seu suposto
"flirt" com Isadora
Duncan, que apresentou-se no Teatro Municipal do Rio de Janeiro em
1916.
35)
Duncan e Barreto já haviam se conhecido anteriormente,
em Portugal,
mas foi somente durante a temporada no Rio que se tornaram íntimos.
36)
O grau dessa intimidade é um mistério. Especula-se que
tudo poderia não ter passado de uma "jogada de marketing" para atrair
a atenção da imprensa, embora outras fontes citem um suposto diálogo em que
a bailarina teria
interpretado Barreto sobre sua pederastia, ao que ele teria respondido: Je suis très corrompu ("Sou
muito corrompido").
37)
Em 1920, Paulo Barreto fundou o jornal A Pátria (chamado ironicamente
de A Mátria por seus
detratores), no qual buscou defender os interesses dos "poveiros",
pescadores lusos oriundos em sua maioria de Póvoa de Varzim, e que abasteciam de pescado a
cidade do Rio de Janeiro.
38)
Ameaçados por uma lei de nacionalização do governo
brasileiro, que exigia que a pesca fosse exercida apenas por nacionais, e os
obrigava a naturalizar-se para poder continuar na profissão, os
"poveiros" entraram em greve.
39)
A atividade de Barreto em prol da colônia portuguesa
granjeou-lhe grande quantidade de inimigos, um sem-número de ofensas morais
("manta de banha com dois olhos" foi uma das mais leves) e até mesmo
um covarde episódio de agressão física, quando, surpreendido enquanto almoçava
sozinho num restaurante, foi surrado por um grupo de nacionalistas.
40)
Obeso, Paulo Barreto sentiu-se
mal durante todo o dia 23 de junho de 1921. Ao pegar um táxi, o mal-estar
aumentou e ele pediu ao motorista que parasse e lhe trouxesse um copo d'água. Antes
que o socorro chegasse, no entanto, ele faleceu, vítima de um enfarte do miocárdio fulminante.
41)
A notícia de que João do Rio
havia morrido espalhou-se por toda a cidade rapidamente. Estima-se que cerca de
100 mil pessoas tenham comparecido para o último adeus ao escritor que certa
feita, sob o pseudônimo de Godofredo de Alencar, havia registrado sua opção
preferencial pela diversidade.
42)
Nas
sociedades organizadas interessam apenas: a gente de cima e a canalha. Porque
são imprevistos e se parecem pela coragem dos recursos e a ausência de
escrúpulos. (Gomes, 1996, p. 29).
43)
Os restos de João do Rio
encontram-se sepultados em uma magnífica tumba de mármore italiano e bronze,
erguida por ordem de sua mãe, no Cemitério de São João Batista, no bairro de Botafogo.
Também por ordem de sua mãe, a biblioteca de João do Rio foi doada
ao Real Gabinete Português de Leitura, onde ainda hoje pode ser vista uma placa comemorativa do ato.
O túmulo de João do Rio é considerado um dos mais belos trabalhos de arte funerária no Rio de Janeiro e atrai muitos visitantes.
Também por ordem de sua mãe, a biblioteca de João do Rio foi doada
ao Real Gabinete Português de Leitura, onde ainda hoje pode ser vista uma placa comemorativa do ato.
O túmulo de João do Rio é considerado um dos mais belos trabalhos de arte funerária no Rio de Janeiro e atrai muitos visitantes.
45)
Como apontou Graciliano Ramos, "a homenagem que lhe tributaram é modesta: ofereceram-lhe uma rua
curta" (Gomes, 1996, p. 11).
46)
A Póvoa de Varzim, em Portugal, também deu o seu nome a uma
pequena rua mesmo no centro da cidade, junto à Câmara Municipal.
47)
Em Lisboa, Portugal, o seu nome
foi dado a uma praça onde se encontra um pequeno monumento em sua honra
contendo as suas seguintes palavras: "Nada me devem os portugueses por amar
e defender portugueses, porque assim amo, venero e quero duas vezes a minha
pátria".
48)
João do Rio é patrono da cadeira
número 34 da Academia Irajaense de Letras e Artes (AILA) ocupada pelo escritor e poeta acadêmico Agostinho
Rodrigues, fundador da entidade, em 1993.
49)
João do Rio já foi retratado como
personagem no cinema, interpretado por José Lewgoy no filme Tabu (1982).
No filme Brasília 18% (2006), Otávio Augustointerpreta uma personagem homônima, que no entanto
pouco ou nada se relaciona à figura histórica.
51)
Nos diversos
jornais em que trabalhou, granjeou enorme popularidade, sagrando-se como o
maior jornalista de seu tempo.
52)
Usou vários
pseudônimos, além de João do Rio, destacando-se: Claude, Caran d’Ache, Joe,
José Antônio José.
55)
Como teatrólogo,
teve grande êxito a sua peça A bela madame Vargas, representada pela
primeira vez em 22 de outubro de 1912, no Teatro Municipal.
56)
Ao falecer, era
diretor do diário A Pátria, dedicado aos interesses da colônia portuguesa,
que fundara em 1920.
57)
No seu último
“Bilhete” (seção diária que mantinha naquele jornal), escreveu: “Eu apostaria a
minha vida (dois anos ainda, se houver muito cuidado, segundo o Rocha Vaz, o
Austregésilo, o Guilherme Moura Costa e outras sumidades)...” Seu prognóstico
ainda era otimista, pois não lhe restavam mais que algumas horas quando escreveu
aquelas palavras.
58)
Falecido dentro de
um táxi, deu corpo ficou na redação de A Pátria, exposto à visitação pública.
Seu enterro, dos maiores da história carioca, realizou-se com cortejo de cerca
de cem mil pessoas.
59)
Na Academia
Brasileira de Letras, que então ficava no Silogeu Brasileiro, na praia da Lapa,
disse-lhe o discurso de adeus Carlos de Laet.
60)
Segundo ocupante
da cadeira 26, foi eleito em 7 de maio de 1910, na sucessão de Guimarães
Passos, e recebido pelo acadêmico Coelho Neto em 12 de agosto de 1910. Recebeu
o acadêmico Luís Guimarães Filho.
66)
1902: tenta entrar
para o Itamaraty,
mas é "diplomaticamente" recusado pelo Barão do Rio Branco por ser "gordo,
amulatado e homossexual" (Gomes, 1996, p. 114).
67)
1903: indicado
por Nilo Peçanha, começa a trabalhar na Gazeta de Notícias, onde permaneceria
até 1913.
68)
1904: entre
fevereiro e março, realiza para a Gazeta a
série de reportagens "As religiões do Rio", posteriormente
transformadas em livro.
70)
1906: estreia sua
primeira peça teatral, a revista Chic-Chic (escrita
em parceria com o jornalista J. Brito).
71)
1907: o
drama Clotilde, de sua
autoria, é encenado no teatro Recreio Dramático. No mesmo ano, ele se candidata
pela segunda vez à Academia Brasileira de Letras.
73)
1909: em março,
morre o pai e Paulo e sua mãe mudam-se para a Lapa (em casa separadas, contudo). Em
novembro, lança o livro de contos infantis Era uma vez..., em parceria com Viriato
Correia.
74)
1910: é eleito
para a Academia Brasileira de Letras. Em
dezembro, faz sua segunda viagem à Europa e visita Lisboa, Porto, Madri, Barcelona, Paris, a Riviera e
a Itália.
75)
1911: com um
empréstimo de 20 contos de réis fornecido por Paulo Barreto, Irineu
Marinho deixa a Gazeta e
lança em junho o jornal A Noite.
Um ano depois, ele quitou totalmente o empréstimo.
77)
1913: torna-se
correspondente estrangeiro da Academia de Ciências de Lisboa.
Em novembro, faz sua terceira viagem à Europa, tendo visitado Lisboa (onde sua
peça A bela Madame Vargas é
encenada com grande sucesso), Paris, Alemanha, Istambul, Rússia, Grécia, Jerusalém e Cairo.
78)
1915: viaja
à Argentina e
se encanta com o país. Declara que "Buenos Aires é a Londres gaúcha"
(Gomes, 1996, p, 120).
79)
1915: diretor,
juntamente com Leitão de Barros, do periódico Atlântida : mensário artístico literário e social para Portugal e
Brazil (15.11.1915-01.1920).
80)
1916: torna-se
amigo de Isadora Duncan, durante a temporada dela no Teatro Municipal do Rio de
Janeiro. Ao lado de Gilberto Amado, teria testemunhado a bailarina dançar nua
na Cascatinha da Tijuca.
81)
1917: em 22 de
maio escreve para O Paiz uma
crônica intitulada "Praia Maravilhosa" onde exalta as maravilhas
da praia de Ipanema. É presenteado com dois
terrenos no futuro bairro, onde passa a residir neste ano. Funda e passa a
dirigir a SBAT (Sociedade Brasileira de Autores Teatrais).
82)
1918: viaja à
Europa para cobrir a conferência do armistício em Versalhes,
após a I Guerra Mundial.
83)
1919: publica o
livro de contos "A mulher e os espelhos".
84)
1920: funda o
jornal A Pátria, onde
defende a colônia portuguesa. Por causa disso, é vítima de ofensas morais e
agressão física.
85)
1921: em 23 de
junho, morre de enfarte fulminante. Seu enterro é acompanhado por mais de
100 mil pessoas.
86)
No
início do século XX, o jornalista e escritor Paulo Barreto, mais conhecido pelo
pseudônimo João do Rio, podia ser encontrado nos cafés da Rua do Ouvidor e nos
terreiros da Cidade Nova, à mesa com políticos influentes ou com cartomantes no
subúrbio.
87)
Num
Rio de Janeiro que se transformava rapidamente, o jornalista transitava entre a
cidade moderna que nascia a partir das reformas iniciadas em 1903 pelo prefeito
Pereira Passos, e a cidade marginalizada, social e geograficamente, pelas
mesmas reformas, que queriam acabar com a imagem insalubre e insegura da então
capital federal.
88)
Apesar
de também ter escrito romances, o jornalista ficou famoso por suas reportagens
e crônicas na “Gazeta de Notícias”, publicadas entre 1901 e 1915.
89)
O
João do Rio era um repórter que transcrevia o cotidiano da cidade. É o primeiro
momento de popularização dos jornais, resultado de um processo que começa com o
fim da censura, em 1820, e aproveita todo o desenvolvimento tecnológico
ocorrido ao longo do século XIX, que permite a explosão das tiragens. Isso
começa no Rio e depois será exportado para o resto do país.
90)
Pessoalmente,
o jornalista era um personagem provocativo.
91)
Admirador
e defensor do escritor inglês Oscar Wilde, João do Rio foi alvo de campanhas
negativas por ser homossexual.
92)
Ao
mesmo tempo, ele também gerava curiosidade. Suas conferências, reunidas em
“Psicologia urbana”, eram bastante concorridas e têm títulos sugestivos como
“Amável leitor”, “O amor carioca”, “Flirt” e “A delícia de mentir”.
93)
Essas
conferências foram um grande sucesso na cidade. Ele as apresentava mais de uma
vez e até em São Paulo. Esses textos são como crônicas prolongadas, sem o
limite de espaço do jornal, mantêm o mesmo estilo dele. Quem introduziu esse
formato no Brasil, uma moda em Paris, foram os escritores Coelho Neto e
Medeiros de Albuquerque. Virou uma febre. O cinema mudo estava começando, não
existia o rádio e as pessoas não queriam apenas ler, mas ver e ouvir
escritores, cientistas, acadêmicos.
94)
O
ano de 1915 marca uma virada na carreira de João do Rio. Em junho, o seu amigo
Gilberto Amado — advogado, diplomata e político —, matou o poeta Aníbal Teófilo
no salão nobre do “Jornal do Commercio” após um desentendimento. Apesar da
absolvição pelo júri, o crime comoveu a opinião pública e a “Gazeta de
Notícias” atacava o político ferozmente. Para não criticá-lo, o jornalista
trocou de casa e foi para “O Paiz”, jornal ligado a Pinheiro Machado, protetor
de Amado.
95)
João
Carlos Rodrigues destaca que, a partir daí, João do Rio passa a se dedicar a
temas mais sérios, como a política e os problemas nacionais. “No tempo de
Wenceslau” reúne textos desse tipo. A obra traz perfis de políticos, críticas
ácidas ao então presidente Wenceslau Brás e uma das primeiras reportagens sobre
o jogo do bicho na cidade, intitulada “O jogo do Camboja”.
96)
O
cientista político Renato Lessa, presidente da Biblioteca Nacional, acredita
que as crônicas (De João do Rio), são uma ótima porta de entrada para o
universo da Primeira República, ainda pouco estudada.
97)
A
principal sensibilidade dele, com relação à vida política, diz respeito ao tema
da dissimulação, algo inscrito no DNA do homo oligarchicus — diz Lessa, que usa
o termo para definir os políticos e os seus hábitos na Primeira República. — O
homo oligarchicus é, por natureza, um dissimulador, um especialista na arte de
representar a si mesmo e proceder às adaptações necessárias para tal.
98)
Com as
três reedições, aponta o biógrafo, todos os seus livros mais importantes ficam
à disposição dos leitores. A obra do cronista ainda é chave para entender o
Rio, diz João Carlos Rodrigues: — O que entendemos por espírito carioca começou
ali.
99)
Mas foi no João do Rio das crônicas urbanas, etnógrafo
das artérias, demiurgo da “alma encantadora das ruas” (expressão dele), que o
articulista polêmico, mulato, calvo, gordote e homossexual, exercendo a
desprezada escrita das “coisas miúdas” (definição de Machado de Assis para a
crônica, inclusive as suas próprias), foi obstinadamente buscar um difícil
acolhimento social e artístico.
100)
Sua
morte súbita, em 1921, mostrou quão popular era aquela figura excêntrica,
abraçado que foi, no féretro, pela cidade que ele abraçara. O Paíz – cujas páginas ele
frequentara entre 1915 e 1917, com a coluna Pall-Mall, inventário dos costumes
frívolos do grand monde nativo
à moda de um Marcel Proust resignado
à nobiliarquia rastaquera dos trópicos – noticiou uma multidão de 100 mil
pessoas no cortejo. O Rio, à época, não chegava a ter 1 milhão de habitantes.
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